LEITURA E INTERPRETAÇÃO TEXTUAL
1. Leia o texto para
responder às questões do 1 ao 5:
Defenestração
Certas
palavras têm o significado errado. Falácia, por exemplo, devia ser o nome de
alguma coisa vagamente vegetal. As pessoas deveriam criar falácias em todas as
suas variedades. A Falácia Amazônica. A misteriosa Falácia Negra. Hermeneuta
deveria ser o membro de uma seita de andarilhos herméticos. Onde eles
chegassem, tudo se complicaria.
–
Os hermeneutas estão chegando!
–
Ih, agora é que ninguém vai entender mais nada…
Os
hermeneutas ocupariam a cidade e paralisariam todas as atividades produtivas
com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem deixariam a população
prostrada pela confusão. Levaria semanas até que as coisas recuperassem o seu
sentido óbvio. Antes disso, tudo pareceria ter um sentido oculto. (…)
Traquinagem
devia ser uma peça mecânica.
–
Vamos ter que trocar a traquinagem. E o vetor está gasto.
Mas
nenhuma palavra me fascinava tanto quanto defenestração. A princípio foi o
fascínio da ignorância. Eu não sabia o seu significado, nunca lembrava de
procurar no dicionário e imaginava coisas. Defenestrar devia ser um ato exótico
praticado por poucas pessoas. Tinha até um certo tom lúbrico. Galanteadores de
calçada deviam sussurrar no ouvido das mulheres:
–
Defenestras?
A
resposta seria um tapa na cara. Mas algumas…
Ah, algumas defenestravam. Também podia ser algo contra pragas e
insetos. As pessoas talvez mandassem defenestrar a casa. Haveria, assim,
defenestradores profissionais. Ou quem sabe seria uma daquelas misteriosas
palavras que encerravam os documentos formais? “Nestes termos, pede defenestração…”
Era uma palavra cheia de implicações. Devo até tê-la usado uma ou outra vez,
como em:
–
Aquele é um defenestrado.
Dando
a entender que era uma pessoa, assim, como dizer? Defenestrada. Mesmo errada,
era a palavra exata.
Um
dia, finalmente, procurei no dicionário. E aí está o Aurelião que não me deixa
mentir. “Defenestração” vem do francês “defenestration”.
Substantivo
feminino. Ato de atirar alguém ou algo pela janela. Ato de atirar alguém ou
algo pela janela! Acabou a minha ignorância, mas não a minha fascinação. Um ato
como este só tem nome próprio e lugar nos dicionários por alguma razão muito
forte. Afinal, não existe, que eu saiba, nenhuma palavra para o ato de atirar
alguém ou algo pela porta, ou escada abaixo. Por que, então, defenestração?
Talvez
fosse um hábito francês que caiu em desuso. Como o rapé. Um vício como o
tabagismo ou as drogas, suprimido a tempo. (…)
Quem
entre nós nunca sentiu a compulsão de atirar alguém ou algo pela janela? A
basculante foi inventada para desencorajar a defenestração. Toda a arquitetura
moderna, com suas paredes externas de vidro reforçado e sem aberturas, pode ser
uma reação inconsciente a esta volúpia humana, nunca totalmente dominada. Na
lua-de-mel, numa suíte matrimonial no 17º andar.
–
Querida…
–
Mmmm?
–
Há uma coisa que preciso lhe dizer…
–
Fala, amor!
–
Sou um defenestrador.
E
a noiva, em sua inocência, caminha para a cama:
–
Estou pronta para experimentar tudo com você!
Em
outra ocasião, uma multidão cerca o homem que acaba de cair na calçada. Entre
gemidos, ele aponta para cima e balbucia:
–
Fui defenestrado… Alguém comenta:
–
Coitado. E depois ainda atiraram ele pela janela?
Agora
mesmo me deu uma estranha compulsão de arrancar o papel da máquina, amassá-lo e
defenestrar esta crônica. Se ela sair é porque resisti.
(Luís
Fernando Verissimo)
1.
De acordo com esse texto, o que é defenestração?
a)
Dedetizar insetos pelas ruas.
b)
Fazer solicitação ao juiz.
c)
Galantear alguém nas calçadas.
d)
Atirar algo ou alguém pela janela.
e)
Uma peça mecânica.
2.
Considerando-se o conjunto de informações do texto, o narrador se diz fascinado
pela palavra defenestração, porque:
a)
ele desconhecia o significado da palavra.
b)
ele imaginava o significado da palavra como algo exótico.
c)
ele imaginava o significado da palavra como algo proibido.
d)
ele ligava a palavra à linguagem jurídica ou técnica.
e)
ele se encantava com a palavra, primeiro por causa dos significados que
imaginava para ela, depois por causa do significado dicionarizado dela.
3.
No decorrer do texto, o narrador imaginava possíveis significados para
defenestração. Pela ordem, poderíamos dizer que ele atribuía à palavra os
seguintes sentidos:
a)
conduta sexual não convencional, dedetização, deferimento.
b)
prática ilegal, arrumação, requerimento.
c)
xingamento, cuidados domésticos, documento formal.
d)
indiscrição, arrumação, providências.
e)
conduta imprópria, consertos, aprovação.
4.
No trecho “Ou quem sabe seria uma daquelas misteriosas palavras que encerravam
os documentos formais”, o narrador utiliza o termo misteriosas referindo-se:
a)
ao fato de que as palavras sempre podem ser utilizadas de várias maneiras.
b)
ao fato de que a linguagem formal (jurídica, no caso) utiliza palavras cujo
significado é desconhecido pela maioria das pessoas.
c)
ao fato de que as pessoas em geral não se preocupam em ler os documentos
formais.
d)
ao fato de haver baixo nível de formação escolar neste país.
e)
ao fato de as palavras sempre possuírem significados ocultos.
5.
Depois de descobrir o real significado de defenestração, o narrador continua
fascinado pela palavra porque:
a) o
significado dela remete a um ato pouco comum, e ele fica imaginando as razões
da existência de tal palavra.
b)
ele não havia pensado na possibilidade do significado real.
c)
ele não vê utilidade na palavra.
d)
ele não se mostra favorável a estrangeirismos.
e) o
significado da palavra remete a uma ação que não praticamos em nossa cultura